Toni Pires

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Capa da revista

No domingo, 22 de março, a Folha de S. Paulo encartou uma bela revista sobre a primeira expedição brasileira ao interior da Antártida. A equipe da FSP era formada pelo repórter Marcelo Leite e pelo fotógrafo Toni Pires.

Ex editor de fotografia da Folha de S. Paulo, Toni saiu da chefia de uma grande equipe e já enfrentou um local inóspito e gelado. Para ele foi só o começo. Toni já prepara a sua volta.

Toni conversou com o Olha, vê e contou como foi essa viagem.

Toni Pires e Marcelo Leite

Toni Pires

 

OLHA, VÊ Como surgiu a ideia dessa viagem para o interior da Antártida? Foi uma pauta histórica. TONI PIRES Sim, acredito que foi uma pauta histórica. E não digo isso apenas pela magnitude da empreitada, seria ingenuidade. Foi histórica pelo jornal ter investido numa reportagem de fôlego, em uma época onde é cada vez mais raro, encontrarmos esta representatividade nas paginas de jornais e revistas.

O planejamento desta viagem aconteceu durante minha primeira viagem ao continente Antártico na virada de 2001 para 2002. Eu e o repórter (excelente por sinal) Cláudio Ângelo, que hoje é editor de ciências da Folha, passamos 23 dias embarcados no navio da Marinha brasileira, que dá suporte para os pesquisadores.

Bom… Nos apaixonamos pelo lugar e eu pelo assunto, que Cláudio já dominava muito bem. Desde então tínhamos como meta voltarmos ao continente para expandir a cobertura. Muitas dificuldades em conciliar as funções no jornal e levar um projeto deste porte adiante o tempo juntamente com a burocracia para se conseguir uma vaga nestas missões, adiou nossos planos por um longo período.

No entanto, como as discussões sobre clima, aquecimento global assumiram a ordem do dia, o jornal passou a investir neste assunto, vendo a chegada do Ano Polar 2007/2008, um esforço mundial de pesquisa nos extremos da Terra-Ártico e Antártida – que reúne mais de 10 mil cientistas de 64 países. Entre eles o Brasil, que faz estudos na Antártida desde 1982. O país deu um salto com o Ano Polar, multiplicando por dez as verbas anuais para pesquisas na região. Começamos a nos mexer e fazer contatos procurando a melhor maneira de podermos voltar e efetuar um trabalho mais interessante e mais profundo.

Foi quando tomamos conhecimento da expedição Deserto de Cristal, chefiada pelo glaciologista Jefferson Cárdia Simões. A ciência antártica nacional daria também neste verão um salto ao penetrar no interior do continente. Um dos principais projetos brasileiros no Ano Polar foi a Expedição Deserto de Cristal, primeira missão científica autônoma no manto de gelo que cobre o continente austral.

Começou aí, uma batalha muito interessante de se travar dentro do jornal para que houvesse investimentos para acompanharmos esta expedição. O momento era muito propício, seria a primeira vez que cientistas brasileiros adentrariam ao continente para pesquisa, primeira vez sem apoio da Marinha brasileira. Toda mídia abriu mais espaço para a discussão sobre clima e cuidados com o planeta etc e tal.

Bom finalmente conseguimos aprovação do jornal, saiu o investimento, mas como a mulher do Cláudio Ângelo estava grávida e seu filho iria nascer em dezembro, trocamos o repórter de texto. Iria comigo o colunista e editorialista da Folha, Marcelo Leite, que na época da minha primeira viagem era o editor de Ciências do jornal. Como disse a Cláudio Ângelo, que editou com Marilia Scalzo a bem-cuidada revista, foi uma experiência sensorial e intelectual única. Nos últimos quatro meses quase não pensei em outra coisa – era Antártida no café, no almoço e no jantar, por assim dizer; nos 14 dias que passamos acampados lá, pelo menos, em sentido literal.

Não é todo dia que um jornalista tem a oportunidade de realizar um trabalho em condições tão boas. Primeiro, a chance rara de estar num lugar que pouca gente conhece ou vai conhecer, e ainda por cima diferente de tudo que se conhece ou se possa imaginar. Mesmo depois de ler tanto sobre a Antártida, o lugar me desconcertou – física, visual, conceitualmente. Nenhum de nossos referenciais tem muito uso ali. A pessoa fica literalmente desnorteada, ali tão perto do Pólo Sul.

Acampamento brasileiro

Acampamento em dia de nevasca

OLHA, VÊ É a segunda viagem sua para lá, não é? O que diferenciou da outra ida e isso ajudou na adaptação? TONI PIRES Sim, foi minha segunda viagem. A diferença foi muito grande, na outra viagem estava embarcado no navio da Marinha brasileira, quando estava fora dele, estava na Base brasileira. As condições climáticas da Península Antártica é muito diferente das condições que encontramos nos montes Patriot Hills onde ficamos acampados em pequenas barracas e dependendo exclusivamente da organização e competência da equipe da expedição. Tudo era feito por nós mesmo, comida, armar e desarmar barraca, escavar neve, separar lixo, enfim, todo o básico era feito por nós mesmos.

O que ajudou muito já ter passado pelo continente, mesmo que à margem dele…rsrsrs é que já existia um referencial em minha mente. Não foi um susto, não foi algo totalmente desconhecido. Porque é um grande desafio fotografar nesta região, não apenas pelo clima hostil, pelas várias camadas de roupas e luvas que devemos usar e que acabam dificultando o manuseio do equipamento, mas porque já não existe vida. Não tem verde, não tem terra, não tem bicho, aves. Não tem nada, só gelo e céu. Ou seja, só azul e branco, isso se não tiver uma tempestade de neve, que aí você só tem branco.

Este sim era meu maior desafio, como compor, como criar, como informar, tendo a minha frente tão poucos referenciais, como colocar um referencial que fosse compreensível ao meu receptor, se tudo lá é diferente de tudo que nos cerca. Este trabalho te leva a uma viagem interior, ao questionamento mais profundo da tua relação com o universo, o teu papel como ser humano, como jornalista dentro do planeta.

OLHA, VÊ Creio que a estrutura é uma das coisas mais importantes em lugares como a Antártida. Roupa, comida, alojamento, etc. É o equipamento fotográfico? O que você levou? Houve alguma preparação ou cuidado necessário. TONI PIRES Sim, tudo depende da sua estrutura, sua sobrevivência e seu trabalho depende da estrutura que está lá com você. Isso obviamente exige de você um planejamento rigoroso e minucioso.

A estrutura da expedição era perfeita, os cientistas que estavam por ali eram “feras” competentes e experientes. Quanto a isso pouco me preocupei. Já sabia como seriam as roupas que iria usar, já sabia também as adaptações que deveria fazer em parte das roupas para ajudar no manuseio do equipamento. Por exemplo: tive que trocar as luvas oferecidas pela equipe da expedição por outros modelos, que me permitissem mais liberdade de movimentos para manuseio do equipamento.

Máscaras protetoras de olhos foram trocadas por óculos de lentes com super proteção dos raios UV, para poder trabalhar melhor com as máquinas. Enfim pequenos detalhes. Meu planejamento maior foi na escolha e preparação para o equipamento que iria levar.

Na primeira viagem que fiz, como não sabia o que iria encontrar, recebi conselhos de grandes mestres em aventuras, mas exagerei, levei muito equipamento, inclusive câmeras de filmes, assim como uma robusta Nikon F-2 para o caso de o equipamento eletrônico pifar. Desta vez, eu já sabia como meus equipamentos reagiam ao frio extremo, também fiz muitas pesquisas e participei de diversos fóruns de discussões com amigos fotógrafos do mundo todo para saber até onde minhas máquinas aguentariam e quais possíveis erros que ocorreriam.

Resumindo, levei 3 corpos Canon: uma 5D, outra 5D MarkII e uma EOS 1 MarkII. Mais uma pequena câmera Canon G9. Ah levei também uma pequena e notável Lomo Supersampler 3.0 para “brincar” com alguns cromos e negativos P&B “vencidos”. Lentes: 14mm;  45mm Tilt-shift;  50mm Macro;  85mm; 150mm e uma lente reserva 70-200mm. Tirando a 150mm que é Sigma, todas as demais são Canon. Fotômetro de mão Minolta; ColorChecker Card para balancear cor;  tripé (grande e pequeno). Disparador a distância para uma das câmeras, Filtros UV e polarizador para a 45mm e a 150mm. 2 baterias para cada câmera. Levei também material para vídeo, estou terminando um multimídia muito interessante sobre a viagem.

Foram 2 câmeras de vídeo, uma Sony mini DV e outra JVC com qualidade Full HD, gravador de áudio, Computador (Mac) e 2 HDs externos para armazenar as imagens e ter segurança. Sacos estanques para guardar equipamento em caso de necessidade. 4 leitores de cartão (parece exagero, mas antes mesmo de chegar ao continente um deles deu pau, e quando voltei tinha apenas um funcionando perfeitamente… rsrsrsr. Não poderia arriscar. 10 cartões de memória de 4G e 3 de 8G Sandisk extreme III. Bom no total foram mais de 3 mil fotos e nove horas de vídeo que este material produziu… rsrsrs. Preparação mesmo foi uma boa dieta e bastante exercício físico (coisa que já faço, mas aumentei os treinamentos) para ter boa resistência em local tão hostil.

Mar congelado saindo da peninsula Antártica

OLHA, VÊ Quais foram as maiores dificuldades para fotografar? TONI PIRES A maior dificuldade mesmo foi a de conceito, como já comentei acima no texto. Dificuldades técnicas quase não tive nenhuma. Os equipamentos reagiram muito bem as condições de trabalho.

O que aconteceu várias vezes é que quando deixa algum equipamento muito tempo exposto ao frio (quando nos locomovíamos de moto e eu ficava com ela fora do casaco para fotografar por exemplo), a macera “pirava”, entrava em parafuso…rs. Ela parava de aceitar meus comandos e voltava tudo em default. Nas primeiras vezes que isso aconteceu eu quase fui a loucura… rs. Mas como nós fotógrafos somos teimosos, na hora eu trocava de câmera e depois ia ver a máquina novamente, então, percebi que a voltar em temperaturas mais quentes (em torno de menos 9 graus ela voltava a funcionar….Ufa…..

E, também, claro o problema com as baterias, tinha que efetuar trocas constantes. Mas ao contrario do diz o popular, que no frio elas descarregam mais rápido, o que acontece é que elas param de levar carga para o equipamento, ou seja, elas continuam carregadas (embora o equipamento avise que ela esta sem carga), em poucos minutos que as colocamos dentro dos bolsos do casaco ou a seguramos nas mãos elas voltam a funcionar perfeitamente. A outra dificuldade é manusear as câmeras usando luvas grossas e roupas em demasia (demais para fotografar, claro….rs) A máscara que usamos para proteger nossos olhos também dificulta um pouco ainda mais para mim, que uso óculos.

OLHA, VÊ Quais as dicas para quem pensa fotografar em condições tão baixas de temperatura? TONI PIRES Muito planejamento antes de ir para lugares remotos. Prepare-se física e mentalmente, leia tudo que puder sobre o local, debata e discuta com amigos, conhecidos e procure fóruns de discussões para tirar dúvidas e colher dicas e conselhos. Saiba muito bem o que você vai querer fazer por lá, isso ajuda no planejamento do que levar em termos equipamento.

Leia atentamente o manual de todo o equipamento que você vai levar, isso ajuda a você não tomar sustos desnecessários.

OLHA, VÊ O que mais impressiona num ambiente tão inóspito e ao mesmo tempo fascinante? TONI PIRES É uma experiência sensorial e intelectual única. Uso aqui, assim como Marcelo Leite usou em seu texto na revista, a citação de Pablo Neruda no poema “Antártica”: “é a solidão sem terra e sem pobreza”…

É fantástico você se perceber tão pequeno dentro do universo. Descobrir que seu dinheiro, seu título (se o tiver) seu cargo, sua vontade, nada vale, o que vai manter você vivo num lugar como este é respeitar os sinais da natureza.

OLHA, VÊ Pretende voltar? TONI PIRES Sim, já estou em fase de planejamento e organização para voltar no final deste ano. Só que agora vou até o Pólo Sul. Devo ficar por lá dois meses. Parto em novembro e retorno em janeiro. Vou até os montes Patriot e de lá saímos em expedição com tratores e trenós até o Pólo, percorrendo 1.100Km.

Pesquisador

 

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